19jul
Um breve histórico sobre os boi bumbás de Manaus

Um breve histórico sobre os boi bumbás de Manaus

O momento mais aguardado da brincadeira do boi-bumbá, entretanto, acontecia depois do período junino, às vezes no começo de agosto: a “fugida” do boi. Para essa parte final da festança, era providenciada uma réplica do boi original, mais pobre e mais tosca. O bumbá “fugia” do curral em uma noite de sábado.

No domingo pela manhã, os vaqueiros saíam do curral em busca do boi fujão. Dois ou três miolos se revezavam na fuga para não dar vida mansa aos vaqueiros, que precisavam obrigatoriamente prender o boi fujão pelo laço. A criançada, evidentemente, torcia pelo boi. E haja correria desenfreada do bumbá pelas ruas dos bairros, freadas bruscas, avanços, recuos, com o boi se desviando milagrosamente o tempo todo dos laços jogados pelos vaqueiros.

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Quando, finalmente, o boi era laçado (o que ocorria por volta das cinco horas da tarde), os vaqueiros o conduziam até o curral. O boi era “sangrado” no centro do curral (o miolo despejava de dentro do boi um garrafão de vinho Tinto Raposa, que era recebido pelo Rapaz do Amo em uma bacia de alumínio e depois servido aos brincantes) e o Amo começava a fazer a repartição das partes do boi com versos endereçados aos moradores da comunidade (“O mocotó é da Maria Timbó, a chã de dentro é do compadre Bento, a costela é da dona Isabela, o coração é do seu João”, e assim por diante).

Em primeiro plano, o boi de fugida do bumbá Tira Prosa, no fundo o boi original

Em primeiro plano, o boi de fugida do bumbá Tira Prosa, no fundo o boi original

Na sequência, o boi genérico era incinerado em uma fogueira, seguido por uma grande queima de fogos de artifício. A festa da morte do boi prosseguia noite adentro com uma farta distribuição de churrasco, aluá, vatapá, maionese, farofa, cachaça e vinho tinto para os presentes.

Boi Caprichoso com o amo Come Feio

Boi Caprichoso com o amo Come Feio

De acordo com o historiador Alvadir Assunção, no mais bem documentado trabalho sobre o assunto (“O Auto do Bumbá Corre Campo e Outros Famas”, Ed. Valer, 2008), o boi Caprichoso foi fundado no dia 14 de janeiro de 1913, em Manaus, pelo maranhense Raimundo Nascimento Fonseca (aka “Mestre Raimundo”), avô do saudoso advogado Nestor Nascimento, com o apoio dos também maranhenses Mestre Atanásio, Mestre Horácio Nascimento, Estevão e Ramiro Marcolino da Silva.

O curral foi armado na Rua Nhamundá nº 1563, quase no canto com a Rua Visconde de Porto Alegre, na Praça 14. Após o falecimento de Mestre Raimundo, o bumbá ficou sob a responsabilidade de Ramiro até o início dos anos 60, quando passou a ser comandado por Luiz Gadelha.

O bumbá Caprichoso encerrou suas atividades em 1971, quando era dirigido por Alberto Orelhinha.

O bumbá Mina de Ouro

O bumbá Mina de Ouro

O bumbá Mina de Ouro foi fundado no dia 22 de abril de1922, pelos senhores Cipriano Moraes Vieira (aka “Mestre Cepetiba”), Pedro Albano, Vicente e Sandoval (filhos de Pedro Albano), Faustino Jovito Serra (pai do “Mestre Serra”) e Elias, responsável pela confecção do primeiro boi.

O curral do Mina de Ouro foi armado em um terreno de Pedro Albano, localizado na esquina do Boulevard Amazonas com a Rua Tapajós e, alguns anos depois, passou a ser armado no terreiro do batuque Santa Bárbara, no Seringal Mirim. Com o falecimento de Mestre Cepetiba, em 1962, o bumbá passou a ser comandado por José Pereira Serra (“Mestre Serra”).

Por falta de apoio, o bumbá deu uma parada estratégica de 1965 a 1968, só voltando a sair a partir de 1969. Nesse meio tempo, Mestre Serra se dedicou a uma vitoriosa carreira de juiz de futebol, se transformando no melhor árbitro do Amazonas.

O bumbá encerrou suas atividades em meados dos anos 70.

O bumbá Tira Prosa

O bumbá Tira Prosa

O bumbá Tira Prosa foi fundado no dia 13 de maio de 1945, pelos senhores Francisco Santiago de Oliveira (“Tutu”), José Ribamar Ferreira (“Zeca Pepira”), Raimundo Ferreira de Oliveira e Alberto Ferreira Martino (“Mestre Alberto Orelhinha”).

O curral do boi foi armado na Avenida Leopoldo Peres, em frente à Delegacia de Polícia, no “Imboca”, sendo transferido no ano seguinte para o campinho da Igreja de Santa Luzia. A partir de 1950, o bumbá passou a ser comandado pelos irmãos Rock e Lucilo Mesquita. Em 1962, o comando passou para Raimundo Guanabara, em 1966, para Lauro Chibé, e, a partir de 1968, para Antônio Barroso.

No primeiro ano em que desfilou no carnaval em Manaus, em 1976, ainda como bloco de embalo, o atual GRES Andanças de Ciganos, da Cachoeirinha, utilizou a batucada do bumbá Tira Prosa como bateria, mostrando que a colaboração entre grupos folclóricos não era uma exceção, mas a regra.

O bumbá Tira Prosa continua na ativa até hoje. Seu responsável é o microempresário Ronaldo Matos, que faz o papel de Mãe Catirina na brincadeira.

O bumbá Corre Campo

O bumbá Corre Campo

O bumbá Corre Campo foi fundado em 1º de maio de 1942, na casa de Astrogildo Pereira dos Santos (“Mestre Tó”), irmão mais velho de Wandi Guaromiro Santos (“Mestre Miro”), ambos ex-brincantes do garrote Tira Teima. A residência dos dois, localizada na Rua Ajuricaba, quase canto com a Rua Borba, na Cachoeirinha, funcionou como primeiro curral do boi.

Entre os fundadores estavam Antônio Altino da Silva (“Ceará”), Dionísio Gomes (“Tucuxi”), Mauro Cruz (“Pelica”), Tiziu e Pedro Beira-mar (tio do sambista Jairo Beira-mar, presidente do GRES Reino Unido da Liberdade), que se transformou no primeiro amo do boi. Fabricado pelo próprio Mestre Tó, o primeiro boi era feito de pernamanca, cipó e coberto de flanela amarela.

Na primeira oportunidade, o bumbá Mina de Ouro ironizou a papagaiada com uma toada de desafio: “Eu nunca vi boi amarelo/ Quero o couro desse boi/ Pra fazer o meu chinelo”.

Nascido e criado no Boulevard Amazonas, Jorge Macaco era um dos amos do bumbá Mina de Ouro, mas com a mudança de sua mãe para o bairro da Cachoeirinha (ela era mãe-de-santo e foi morar no terreiro da ialorixá Dona Esperança), ele abandonou o bumbá do Seringal Mirim para ser um dos amos do boi Corre Campo.

Para a moçada do Mestre Cepetiba aquilo soou como uma deslavada traição e os brincantes do bumbá Mina de Ouro resolveram aplicar um corretivo no “trairão” na primeira oportunidade que surgisse.

Em junho de 1943, o bumbá Corre Campo estava se apresentando no campo do Ypiranga (onde hoje está localizado o Palácio Rodoviário), em um arraial promovido pelo clube, quando surgiu o bumbá Mina de Ouro para fazer sua apresentação. Sabendo das promessas de vingança do boi adversário, Mestre Tó deu logo um toque pro Mestre Cepetiba:

– O bumbá Corre Campo é uma grande família. Se for pra bater em um brincante, vocês vão ter que bater em todo mundo!

Claro que não houve acordo e o Mina de Ouro resolveu pagar pra ver. O pau comeu solto entre os dois bumbás, sendo necessária a intervenção da polícia para serenar os ânimos. Era o início de uma rivalidade histórica movida à pancadaria e toadas de desafio, que duraria pelas três décadas seguintes.

 O amo Pedro Beira-mar recebendo o título do bumbá Corre Campo de 1º campeão do Festival Folclórico do Amazonas entregue pelo então prefeito de Manaus Gilberto Mestrinho


O amo Pedro Beira-mar recebendo o título do bumbá Corre Campo de 1º campeão do Festival Folclórico do Amazonas entregue pelo então prefeito de Manaus Gilberto Mestrinho

 

Além dos amos do boi Pedro Beira-mar e Jorge Macaco, os demais destaques do bumbá Corre Campo ficavam por conta dos “miolos” Sunguinha, Ferrolho e Jaburu – este último ficava irritadíssimo quando a molecada o chamava de “Cheira peido”, porque ele ganhava a vida como carroceiro. O Pai Francisco era Antônio Queiroz, e a Mãe Catirina, o despirocado Pelica.

A invencível barreira de índios era formada por Miro, De Raça, Tiziu, Arrepiado, Idalino, João da Santa, Zé Vieira, Nego Waldir, Eduardo Farinha D’Água e Tabaco.

Os índios vestiam uma espécie de saiote feito de penas de avestruz e um peitoral ricamente adornado com pedrarias multicoloridas (o do Tiziu estampava um escudo do Fast Clube). As lanças eram feitas de cumaru e ostentavam uma afiada ponta de ferro.

Apesar de disfarçadas por dezenas de fitas coloridas, ninguém tinha dúvida: tratava-se de uma arma de guerra. Os cocares escondiam protetores de cabeça. A barreira dos índios protegia o boi e os demais brincantes durante as brigas de rua com os bumbás adversários.

Outros bumbás famosos do folclore manauara: Rica Prenda (Praça 14), Veludinho (Educandos), Coringa (Aparecida), Estrela Dalva (Praça 14), Galante (Rua Leonardo Malcher), Dois de Ouro (Educandos), Guanabara (Santa Luzia), Flor do Campo (Praça 14), Mineirinho (Santa Luzia), Brinquedinho (Cachoeirinha), Prenda Fina (São Raimundo), Brilhante (Estrada da Panair), Prenda do Areal (Santa Luzia), Treme Terra (Rua Santa Isabel), Mina de Prata (São Raimundo), Canarinho (Morro da Liberdade), Dominante (Santa Luzia), Malhado (Visconde de Porto Alegre), Pai do Campo (Matinha), Teimozinho (Matinha), Ponta de Ouro (Educandos), Pingo de Ouro (Petrópolis), Gitano (Vila Mamão), Sete Estrelas (Petrópolis), Ás de Ouro (Matinha), Diamante (Igarapé de Manaus), Guerreiro (Vila Mamão) e Amazonas (Raiz).

 

Fonte : Simão Pessoa

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Sobre Marcus Pessoa

Em meu blog escrevo sobre Cidades Inteligentes, Marketing Digital, Políticas Criativas, Empreendedorismo, Histórias dos Patrimônios do Amazonas além de dar minhas opiniões sobre Política e militar contra o Bolsonarismo.
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